As raízes de Charles estão fincadas em Aracaju, mas foi no Rio, com sua atmosfera boêmia e suas feiras de antiguidades, que seu olhar se aguçou. Colecionador de livros de arte e de objetos com história, ele mergulhou nas profundezas do tempo, desenterrando tesouros que dariam forma às suas primeiras assemblages. Há cerca de dez anos, o mundo da informática, onde passou 25 anos, deu lugar a um novo cenário: a cultura, a gastronomia e o entretenimento. Charles tornou-se o timoneiro de espaços como a Galeria Scenarium e o Rio Scenarium, locais que, tal como sua arte, respiram a alma carioca. Mas é em seu ateliê, na região serrana do Rio, à beira de um rio que serpenteia pela Mata Atlântica, que sua alma criativa se recarrega, como um alquimista que encontra na natureza os ingredientes para suas poções mágicas.
O despertar de Charles para as artes visuais ocorreu sob a influência de sua irmã, a artista Rita Barreto, que o incentivou a seguir um caminho de experimentação e descoberta. Uma das grandes transformações em seu percurso aconteceu no curso “Encontros e Reflexões” ministrado por Iole de Freitas. Charles passou a observar obras de arte com um olhar completamente novo, mergulhando no estudo da arte contemporânea e aventurando-se em suas primeiras criações, influenciadas por nomes como Arthur Bispo do Rosário e Farnese de Andrade.








Imbuído pelo espírito do Dadaísmo, Charles Barreto justapõe materiais diversos por acumulação, criando um sistema de pensamento que multiplica sentidos. No universo de suas obras, mitos e místicas se misturam, revelando uma imaginação fértil que transita entre Marilyn Monroe e Napoleão, anjos e sereias, com a mesma leveza com que combina retalhos de couro de boi a gravuras históricas. A preocupação social também se manifesta em suas obras, como no tríptico “Ainda em Carne Viva”, que associa as gravuras de Debret a fragmentos de couro com manchas vermelhas, denunciando a violência e a brutalidade de forma poética.
Charles não procura, mas acha, como bem observou a curadora Marta Nicklaus, título inclusive de sua exposição. Sua arte é um convite para arriscar, para questionar, para se deixar transformar pelas obras. Suas peças, sejam assemblages ou pinturas, são portais para um universo de possibilidades, onde o passado e o presente se encontram, o real e o imaginário se confundem e a arte se torna uma forma de resistência, de existência, de pura e simples paixão.
Cada objeto tem um silêncio. Um tempo. Uma memória. Quando os encontro — em feiras, gavetas esquecidas, ou heranças do acaso — escuto seus sussurros. Montar uma assemblage é como remontar um quebra-cabeça do invisível: pedaços de outras vidas que, unidos, passam a contar uma nova história — minha, sua, nossa.
Não comecei como artista. Antes, estive imerso em códigos e números. Mas foi no caos poético do Rio, entre as esquinas boêmias e os mercados de antiguidade, que minha alma entendeu: eu era feito de fragmentos. A arte chegou como um reencontro com o tempo perdido. Hoje, minha prática é quase arqueológica. Vasculho o mundo com olhos famintos por história, e cada peça que escolho carrega um passado — e revela um presente.
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O assemblage, para mim, é mais que técnica: é uma linguagem de afeto e resistência. Um modo de dizer o indizível. Ao unir o bruto ao delicado, o esquecido ao simbólico, eu não apenas componho uma obra — eu componho uma lembrança.